Quanto custa ser dono de uma fração de resort para passar as férias
Multipropriedade atrai a classe média brasileira e já move R$ 79 bilhões por ano
Brasil se consolida como terceiro maior mercado de multipropriedade do mundo
Férias garantidas num resort de alto padrão no seu refúgio favorito todos os anos, sem se preocupar com faxina, mobília ou reparos. Essa é a promessa da multipropriedade, modelo que permite ao consumidor comprar uma fração de imóvel em destino turístico e usar apenas no período contratado. A lei que regulamenta o setor, aprovada em 2018, deu segurança jurídica ao negócio e ajudou o Brasil a se consolidar como o terceiro maior mercado mundial, atrás apenas de EUA e México.
O setor movimenta cifras bilionárias. Entre abril de 2023 e abril de 2024, o Valor Geral de Vendas (VGV) bateu R$ 79,5 bilhões, salto de 33% em relação ao ano anterior, segundo a Caio Calfat Real Estate Consulting. Em 2025, já são 216 empreendimentos distribuídos por 97 cidades em 18 estados. Só a região Sul viu a oferta de unidades crescer 53%.
No litoral pernambucano, em Muro Alto, um dos endereços mais cobiçados do turismo nacional e do setor hoteleiro, a GAV Resorts opera o Porto Alto Resort* —cartão de visitas da empresa que movimentou R$ 3,2 bilhões em faturamento em 2024 e já investiu mais de R$ 517 milhões neste ano. O empreendimento tem acesso direto à praia, piscinas, spa, dogcare e pulseira que dispensa chave de quarto e ainda dá desconto ao vasto cardápio do restaurante e ao bar do hotel. É possível relaxar com sessões de massagem pagas à parte, malhar na academia, jogar vôlei de areia ou ler um livro enquanto toma sol no gramado.
Ao longo do dia, é comum o barulho suave das ondas ser encoberto pela animação das crianças correndo entre as piscinas. Uma cena que reflete o perfil predominante do público de multipropriedade: famílias de classe média e média alta, com filhos e renda entre R$ 12 mil e R$ 25 mil mensais, geralmente entre 30 e 55 anos, segundo empresários do setor. Mas solteiros e divorciados começam a aparecer na base de clientes.
A praia é preferência disparada: 89% dos compradores miram sol e mar. Mas a multipropriedade já está fincando bandeira em destinos de serra. Campos do Jordão (SP), Canela (RS), Gramado (RS) e Penha (SC) estão no radar.
Segundo José Roberto Nunes, CEO da Mundo Planalto, que tem projetos de multipropriedade em Gramado, com a marca Residence Club at Hard Rock Hotel, e em Bento Gonçalves com o Castelos do Vale Resort, os clientes enxergam no modelo "uma forma inteligente de acessar imóveis de lazer de alto padrão".
"Em termos de origem, predominam compradores das grandes capitais —como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre— mas também é muito marcante a presença de clientes regionais que desejam diversificar suas férias e viver um lifestyle conectado ao turismo e à mobilidade global", afirma Nunes.
Os preços das frações variam conforme o destino e a infraestrutura. Em Olímpia (SP) ou Caldas Novas (GO), uma semana de uso pode sair por R$ 30 mil a R$ 50 mil. Em Gramado (RS) ou no Nordeste, passa fácil dos R$ 120 mil. O consumidor não precisa pagar tudo de uma vez: incorporadoras aceitam parcelamentos de até 72 meses corrigidos por índices de inflação. Na ponta do lápis, a prestação pode sair no valor de uma diária em resort.
"Mesmo em cenários de crédito restrito, o tíquete médio é menor e as condições de pagamento são mais flexíveis. O mercado brasileiro de férias compartilhadas tem enorme potencial, representando cerca de 10% do mercado de tempo compartilhado norte-americano", afirma Manoel Vicente Pereira Neto, CEO da GAV Resorts.
O modelo também é flexível. Quem não quiser usar a própria semana pode alugar em plataformas como Booking e Airbnb ou trocar por diárias em outros resorts pelo mundo quando há parceria com operadoras internacionais, como via RCI —que tem 4.200 hotéis à disposição. No meio tempo, o multiproprietário paga os custos proporcionais de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), condomínio e tributos em razão de quantas semanas ele adquiriu.
Para o setor, o apelo é manter ocupação alta o ano inteiro, sem quartos vazios fora de temporada. Para o consumidor, a sensação é de que o dinheiro que iria para hotel vira patrimônio com escritura, segundo Gustavo Syllos, CMO da Ventura Hotéis e Resorts.
"O modelo também oferece previsibilidade, fator decisivo para famílias que buscam controle financeiro nas viagens", afirma Roberto Kwon, CEO do Amazon Parques & Resorts.
Com 16 empreendimentos em construção e operação, distribuídos pelas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, além de 25 salas de vendas em sete estados, o Grupo WAM aposta na retomada do turismo pós-pandemia para que o cenário da multipropriedade no Brasil seguir promissor e movimentando bilhões de reais. Segundo Lucas Fiuza, o CEO da WAM Experience, as novas gerações não querem mais ser donas de um imóvel que usam poucas vezes ao ano e buscam uma curadoria de experiências.
Ainda assim, há ruído. Muita gente confunde multipropriedade com timeshare ou aluguel por temporada. Nunes explica: a diferença é que, no timeshare, o consumidor não tem escritura, apenas direito de uso por determinado período, geralmente com validade contratual limitada.
Já no aluguel por temporada, não há vínculo de longo prazo: trata-se apenas de pagar por uma estadia pontual, sem qualquer registro de propriedade. A multipropriedade, por sua vez, garante matrícula em cartório e escritura do imóvel proporcional ao tempo adquirido.
"Ao adquirir uma fração imobiliária, o comprador se torna proprietário legal, com direito de uso vitalício, podendo vender, alugar, emprestar ou deixar como herança. Um patrimônio real, com escritura e segurança jurídica", afirma Fiuza.
Outro desafio, afirmam os especialistas, é sustentar o ritmo de profissionalização do setor e garantir o acesso a linhas de crédito em um cenário de juros ainda muito elevados.
Aos interessados no modelo de negócio, especialistas da ADIT Brasil (Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil) recomendam checar histórico da incorporadora, reputação da operadora hoteleira e se o projeto está afiliado a clubes de intercâmbio.
Segundo a associação, a multipropriedade é um produto de uso e de férias planejadas, não ativo imobiliário especulativo. Projetos com promessa de rentabilidade garantida e ganhos financeiros sem a aprovação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) pode caracterizar violação legal e devem acender o alerta vermelho do comprador.
*A reportagem viajou ao Porto Alto Resort, em Muro Alto a convite da GAV Resorts.
Fonte: Folha de São Paulo