Síndico e administrador na multipropriedade: Governança em debate

Com um mercado projetado em R$ 92,7 bilhões para 2025, a dupla gestão emerge como modelo de excelência para empreendimentos que buscam transparência e eficiência.

O setor de multipropriedade imobiliária no Brasil é uma potência econômica em franca expansão. Com um VGV - Valor Geral de Vendas que saltou de R$ 59,9 bilhões em 2022 para R$ 79,5 bilhões em 2023 1, e com projeções que beiram os R$ 93 bilhões para 20252, a sofisticação da gestão desses empreendimentos tornou-se um fator crítico de sucesso. A questão central que emerge deste cenário promissor é: qual o modelo de governança mais eficaz para sustentar este crescimento? A resposta parece estar na inteligente combinação de duas figuras complementares: o síndico e o administrador.

A lei 13.777/18, que disciplinou a multipropriedade, oferece a flexibilidade necessária para que cada projeto adote a estrutura que melhor lhe convém. A escolha entre um modelo de gestão unificada, centrada no administrador, e um modelo de dupla gestão, que inclui também o síndico, tem implicações diretas na transparência, nos custos e no equilíbrio de poder dentro do condomínio. A experiência de mercado tem demonstrado que o assunto requer atenção, e que a dupla gestão, bem estruturada, pode oferecer vantagens competitivas significativas.

A inteligência da lei 13.777/18: Flexibilidade que gera oportunidades

A complexidade inerente à multipropriedade já era reconhecida pela doutrina antes mesmo da regulamentação legal. Como observa Arnaldo Rizzardo, a multipropriedade "representa um condomínio edilício no prédio e um condomínio na unidade. Conjugam-se dois tipos de condomínio - um envolvendo as unidades em relação ao prédio, e outro relativamente aos vários coproprietários ou cotitulares da mesma unidade"3. Esta dualidade estrutural justifica, por si só, a necessidade de especialização na gestão. Não por acaso, conforme registra Maya Garcia, o primeiro empreendimento brasileiro de multipropriedade, o condomínio Paúba Canto-Sul, criado em 1983, já operava com uma estrutura que combinava administradora profissional e representação dos coproprietários, demonstrando que a dupla gestão é uma demanda orgânica do mercado, não uma imposição legislativa4.

Legalmente, a figura central é o administrador, um gestor profissional responsável pela operação do empreendimento. A inteligência da lei está em não apenas permitir, como em certos casos possibilitar, a coexistência com o síndico. O art. 1.358-R do CC5, por exemplo, torna obrigatória a contratação de um administrador profissional quando um condomínio edilício tradicional institui a multipropriedade em parte de suas unidades, criando um cenário natural de dupla gestão.

Karina Saraiva, em recente painel sobre multipropriedade no Congresso Regional do IBRADIM - Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, ratificando a posição deste autor proferida em palestras e grupos de estudo apresentadas nesta e em outras entidades, destacou que a gestão de multipropriedade é um "verdadeiro desafio jurídico e operacional", envolvendo a coexistência de gestão condominial, hoteleira e de locações6. Essa complexidade não apenas justifica, como torna vantajosa a especialização de funções.

Dra. Saraiva, em sua apresentação, afirma que, na prática, o mercado tem revelado uma tendência de concentração de poder, onde o administrador frequentemente é o próprio incorporador, mantendo-se no controle enquanto houver frações à venda. É precisamente neste contexto que a figura do síndico, eleito pelos multiproprietários, se tornaria um mecanismo estratégico de governança e equilíbrio, oferecendo o contrapeso democrático necessário para uma gestão transparente e eficiente.

Atribuições taxativas vs. competências abertas: A diferença fundamental

Uma análise cuidadosa da estrutura normativa revela uma diferença fundamental entre as duas figuras que explica a possibilidade e vantagem da coexistência. O art. 1.348 do CC7 confere ao síndico um rol expresso e detalhado de atribuições, que incluem representar o condomínio em juízo e fora dele, convocar assembleias, elaborar orçamento, cobrar contribuições, contratar seguros, prestar contas e zelar pelo cumprimento da convenção e do regimento interno. Trata-se de um núcleo clássico de competências que traduz a função de representação e administração geral do condomínio edilício.

Com a lei 13.777/18, foi introduzida no ordenamento jurídico a figura do administrador da multipropriedade, prevista nos arts. 1.358-M e 1.358-R do CC8. A lei, entretanto, não reproduziu o mesmo rol de competências do síndico. Limitou-se a estabelecer que "a administração da multipropriedade será exercida por pessoa física ou jurídica designada no instrumento de instituição ou na convenção de condomínio em multipropriedade, denominada administrador", sendo obrigatória, nos casos de condomínio edilício que adote multipropriedade em parte de suas unidades, a contratação de administrador profissional.

Essa opção legislativa revela uma diferença relevante: enquanto o síndico possui funções tipificadas em lei, o administrador da multipropriedade tem suas atribuições abertas, a serem detalhadas pela convenção condominial. Assim, caberá ao instrumento normativo interno de cada empreendimento definir se o administrador apenas substituirá o síndico em suas funções, se atuará de forma complementar a ele ou se assumirá um papel específico voltado à gestão das frações de tempo, operação hoteleira e serviços especializados.

A escolha legislativa de não estabelecer atribuições taxativas para o administrador tem gerado debates interessantes na doutrina especializada. Alguns autores questionam se "a obrigatoriedade de um administrador profissional para condomínios edilícios com sistema multiproprietário fere os princípios gerais da atividade econômica"9. Paradoxalmente, este questionamento reforça nossa tese: se há dúvidas sobre a obrigatoriedade do administrador, isso confirma que a dupla gestão não é uma imposição legal rígida, mas sim uma escolha estratégica disponível aos empreendimentos. A flexibilidade da lei permite que cada projeto encontre o equilíbrio ideal entre especialização operacional e representação democrática, sem ferir princípios constitucionais ou econômicos.

A flexibilização da coexistência: Governança sob medida

Ao nosso ver, a ausência de atribuições taxativas para o administrador na lei 13.777/18 não representa uma lacuna legislativa, mas sim uma escolha deliberada que confere aos empreendimentos a liberdade de desenhar sua estrutura de governança de acordo com suas necessidades específicas. Esta flexibilização permite múltiplas configurações de coexistência entre síndico e administrador, cada uma adequada a diferentes realidades de mercado.

E esta que entendemos como flexibilidade legislativa não surgiu no vácuo, mas reflete uma evolução jurisprudencial que já sinalizava a necessidade de adaptabilidade no setor. Em 2016, antes mesmo da promulgação da lei 13.777/18, o STJ havia sinalizado "a permissão da instituição de direitos reais sem previsão legal expressa"10, posição que foi corroborada pela Corregedoria Geral de Justiça do TJ/SP. Esta tendência jurisprudencial demonstrava que o mercado demandava estruturas mais flexíveis e que a rigidez normativa poderia ser contraproducente. A lei 13.777/18, ao preservar a autonomia privada na definição das competências do administrador, incorporou esta sabedoria jurisprudencial, permitindo que a governança evolua conforme as necessidades específicas de cada empreendimento.

Modelo de substituição integral

Em empreendimentos onde se opte pela gestão unificada, a convenção pode atribuir ao administrador todas as competências tradicionalmente sindicais, criando uma figura híbrida que concentra tanto a representação institucional quanto a gestão operacional. Este modelo seria especialmente adequado para projetos de menor porte, onde a economia de escala justifica a concentração de funções.

Modelo de complementaridade funcional

A configuração mais sofisticada emerge em situações em que a convenção estabelecesse uma divisão inteligente de competências. O síndico mantendo suas atribuições legais tradicionais - representação jurídica, convocação de assembleias, elaboração de orçamento geral, prestação de contas aos condôminos - enquanto o administrador se concentrando na gestão especializada das frações de tempo, operação hoteleira, calendário de ocupação e serviços específicos dos multiproprietários.

Modelo de especialização setorial

Em empreendimentos mistos, onde coexistem unidades tradicionais e multipropriedades, a flexibilização permitiria uma divisão setorial clara: o síndico edilício responsabilizando-se pelas questões gerais que afetam todo o condomínio, enquanto o administrador profissional dedicando-se exclusivamente às unidades fracionadas. Esta especialização setorial maximizaria a eficiência operacional e garantiria que cada tipo de propriedade receba a atenção adequada às suas especificidades.

Sinergia perfeita: Como síndico edilício e administrador se complementam

A ideia da coexistência estratégica entre síndico edilício e administrador da multipropriedade demonstra a sofisticação da lei 13.777/18. Quando a multipropriedade é instituída em um condomínio edilício já existente, ou quando um novo empreendimento combina unidades tradicionais com unidades em regime de multipropriedade, o síndico edilício manteria suas funções e responsabilidades integralmente, conforme definidas no art. 1.348 do CC3.

Esta coexistência não é apenas possível, mas estratégica e, em muitos casos, entendemos como obrigatória. O art. 1.358-R do CC é claro ao determinar que condomínios edilícios que instituam multipropriedade em parte de suas unidades devem ter um administrador profissional específico para as frações de tempo. Isso cria um sistema complementar onde cada gestor pode se concentrar em sua área de expertise.

Deve-se aproveitar a oportunidade da elaboração ou alteração da convenção de condomínio para criar-se uma divisão de competências que maximize a eficiência. O síndico edilício, com suas atribuições claramente definidas em lei, permanecendo como o representante institucional do condomínio, responsável pelas questões que afetam todos os condôminos. O administrador da multipropriedade, por sua vez, podendo ter suas competências moldadas especificamente para atender às demandas operacionais das unidades fracionadas.

Inovação na governança: Como diferentes prazos criam controles eficazes

Uma questão prática que merece atenção especial é a diferença entre os prazos de mandato do síndico edilício (limitado a dois anos pelo art. 1.348 do CC) e os contratos do administrador da multipropriedade não tem delimitação temporal trazida pela lei, conforme o § 1º do art. 1.358-R11, sendo que a praxis de mercado nos apresenta contratos com vigência de até 20 anos. Esta diferença temporal, longe de ser um obstáculo, pode ser transformada em uma oportunidade de criar mecanismos de governança mais sofisticados.

A solução mais elegante seria estabelecer contratos de administração com cláusulas de revisão periódica alinhadas aos ciclos eleitorais do síndico. Isso permitiria que cada nova gestão sindical avalie a performance do administrador e, se necessário, promova ajustes contratuais, mantendo a estabilidade operacional necessária enquanto preserva o controle democrático.

Como alternativas para longos prazos de contratos do administrador, podemos ter contratos com prazos intermediários (3 a 5 anos) renováveis mediante aprovação da assembleia, ou cláusulas de rescisão que permitam revisão em períodos determinados. O importante é que a convenção estabeleça mecanismos que compatibilizem estes diferentes horizontes temporais, transformando a diferença de prazos em um sistema de controles e contrapesos eficaz.

Sabendo da diferença entre Administrações Públicas e privadas, vejamos que mandatos dos executivos municipais, estaduais e Federal do Brasil tem prazos de 4 anos, podendo haver reeleição, o mesmo não poderia ocorrer em contratos dos administradores das multipropriedade? Os operadores do Direito rapidamente dirão que há regras legais para revisão dos contratos do administrador e abre-se espaço para debates: haveria prevalência da autonomia contratual (respeitar um prazo até 20 anos, salvo descumprimento contratual), ou deveria ser aplicado, por analogia, o regime do síndico (destituição a qualquer tempo por decisão da assembleia)?

Ainda, como mobilizar as dezenas de milhares de multiproprietários acerca dos eventuais problemas graves de uma administradora, sendo que recebem informações parciais e superficiais nas assembleias de prestação de contas. E quem conhece a realidade majoritária das administrações dos empreendimentos sabe que, em regra, as assembleias são realizadas perante uma parcela minima de condôminos, com limitação do direito de representatividade ou mesmo em assembleias realizadas entre o administrador e os cabecéis que, invariavelmente, são ou estão vinculados ao incorporador ou administrador.

Nesse cenário, a presença de um síndico eleito pelos multiproprietários revela-se-ia fundamental. Ao contrário do administrador, cujo contrato pode ser de longa duração e cujas informações prestadas em assembleia tendem a ser limitadas ou filtradas, o síndico representa uma instância de fiscalização mais próxima da coletividade. Ele atua como contrapeso democrático, capaz de exigir transparência, convocar reuniões, prestar contas e, sobretudo, traduzir as demandas dos multiproprietários em deliberações efetivas. Assim, a figura do síndico não apenas equilibra a assimetria de informações existente entre administrador e multiproprietários, como também fortalece a governança, evitando que decisões fiquem restritas a pequenos grupos ligados ao incorporador ou ao próprio administrador.

Modelo de excelência: Os benefícios da governança flexível

A adoção de um modelo de dupla gestão, possibilitada pela flexibilidade na interpretação da lei 13.777/18, oferece vantagens competitivas significativas. A principal virtude é a criação de um sistema de governança sob medida, onde cada empreendimento pode definir a estrutura que melhor atende às suas necessidades específicas.

A especialização funcional é um benefício fundamental. A convenção estabelecendo uma divisão inteligente de competências, o administrador poderia se dedicar integralmente à complexa operação hoteleira e à performance comercial, áreas que demandam expertise específica e atenção constante. Paralelamente, o síndico se concentraria na representação institucional dos proprietários e na fiscalização da gestão, utilizando suas competências legais tradicionais.

O equilíbrio de poderes criado pela dupla gestão é uma salvaguarda natural contra decisões unilaterais. Uma estrutura de "freios e contrapesos" previne abusos e garante que as decisões importantes sejam submetidas ao escrutínio democrático, promovendo uma gestão mais transparente e responsável. Esta função de controle é especialmente valiosa quando o administrador é o próprio incorporador, situação observada na maioria dos empreendimentos brasileiros, como já dito.

A flexibilidade para adaptação é outra vantagem crucial. Como as competências do administrador são definidas pela convenção, não pela lei, é possível ajustar a estrutura de governança conforme o empreendimento evolui, sem necessidade de alterações legislativas ou regulamentares. O problema central é que precisa ser superado é "quem elabora as minutas que tratarão sobre os poderes e responsabilidades dos administradores?", e a resposta perturba, "as incorporadoras imobiliárias que acabam por ser ou indicar os administradores".

Critérios de sucesso: Como identificar quando a dupla gestão é ideal

O modelo de dupla gestão é especialmente recomendável para empreendimentos que buscam excelência operacional e diferenciação competitiva. A flexibilidade da lei 13.777/18 permite que cada projeto encontre sua configuração ideal, considerando fatores como porte, complexidade operacional e perfil dos multiproprietários.

Projetos de grande porte, com centenas de unidades, vasta área de lazer e operação hoteleira robusta, encontram na especialização de funções um diferencial significativo. Nesses casos, a convenção pode estabelecer uma divisão de competências que permita ao administrador focar na gestão operacional complexa, enquanto o síndico mantém a representação institucional e a fiscalização. Quanto maior o empreendimento, maior é a quantidade de multiproprietários condôminos envolvidos e, em igual proporção, menor a participação dos condôminos no acompanhamento da realidade dos condomínios e, daí, a necessidade de uma figura que sirva como contrapeso na relação administradores e condôminos.

A sofisticação da operação hoteleira é outro critério determinante. Resorts que oferecem serviços de alta qualidade, com restaurantes, spas, atividades de lazer e programação de entretenimento, requerem uma gestão profissional dedicada. A flexibilidade legislativa permite que a convenção atribua ao administrador competências específicas para esta gestão especializada.

O perfil dos multiproprietários também influencia a decisão. Empreendimentos que atendem a um público mais exigente e sofisticado, com maior consciência sobre seus direitos e expectativas elevadas quanto à transparência, tendem a valorizar enormemente estruturas de governança que combinem expertise operacional com representação democrática.

A própria existência de questões interpretativas na lei 13.777/18 reforça a importância da dupla gestão como mecanismo de governança. Por exemplo, quando a lei estabelece que a implementação da multipropriedade em condomínio edilício tradicional deve ser aprovada por "maioria absoluta dos condôminos", surgem dúvidas legítimas: seria 50% mais um dos condôminos ou dois terços? Este quórum se refere aos presentes na assembleia ou à totalidade condominial?12 Tais questões interpretativas, longe de serem falhas da lei, demonstram que o legislador conscientemente deixou espaços para adaptação às realidades específicas de cada empreendimento. Neste contexto, a figura do síndico, com suas competências claramente definidas no art. 1.348 do CC, oferece um ponto de ancoragem jurídica estável, enquanto o administrador proporciona a flexibilidade operacional necessária.

Guia prático: Como implementar a governança flexível com sucesso

Para os advogados que assessoram incorporadores e condomínios de multipropriedade, algumas diretrizes são fundamentais para aproveitar a flexibilidade oferecida pela lei 13.777/18. A elaboração de uma convenção de condomínio detalhada e precisa é o alicerce do modelo. Dado que a lei delega à convenção a definição dos poderes do administrador, este documento deve funcionar como um verdadeiro manual de governança.

Na convenção deve-se definir claramente as competências de cada gestor, evitando sobreposições desnecessárias e garantindo que todas as funções essenciais estejam adequadamente cobertas. É fundamental estabelecer-se se o administrador atuará como substituto integral do síndico, como complemento especializado ou em configuração setorial para empreendimentos mistos.

Já a análise da escala e complexidade do projeto deve orientar a distribuição de competências. A escolha deve ser estratégica, proporcional ao tamanho, à sofisticação operacional e ao perfil dos multiproprietários do empreendimento. É responsabilidade do advogado orientar seus clientes sobre as diferentes configurações possíveis, apresentando as oportunidades de forma clara e objetiva.

Por outro lado, a questão temporal merece atenção especial na redação das convenções. É fundamental estabelecer-se mecanismos que compatibilizem os diferentes prazos de mandato, criando oportunidades regulares de avaliação e aprimoramento da gestão. A flexibilidade da lei permite que a convenção estabeleça cláusulas de revisão periódica dos contratos de administração, alinhadas aos ciclos eleitorais do síndico.

Ainda, a definição clara e transparente dos critérios de remuneração de cada gestor é relevante para manter a confiança dos multiproprietários. A convenção deve estabelecer parâmetros objetivos baseados em performance e benchmarks de mercado, garantindo que os custos sejam proporcionais aos benefícios oferecidos.

A dupla gestão alinha-se perfeitamente com a evolução da economia compartilhada que fundamenta a multipropriedade. Como observa Gustavo Tepedino, trata-se do "fracionamento no tempo da titularidade dominical", onde se "dividem-se em frações semanais os imóveis oferecidos aos multiproprietários"13. Esta sofisticação temporal exige uma governança igualmente sofisticada. A economia compartilhada, impulsionada nos anos noventa, tem como característica "converter bens de acesso restrito a pessoas com maior capital econômico em bens abundantes, servindo a múltiplos usuários"14. Para que esta conversão seja eficaz e sustentável, é fundamental que a estrutura de governança combine a expertise operacional do administrador com a representação democrática do síndico, garantindo que os benefícios do compartilhamento sejam maximizados sem comprometer a transparência e o controle pelos multiproprietários.

Conclusão: O futuro da governança em multipropriedade

A decisão do STJ no REsp 1.546.165/SP6, ao firmar a natureza de direito real da multipropriedade, estabeleceu as bases para uma governança mais sofisticada e profissional que seria confirmada pela lei 13.777/18 logo em seguida. Já na redação da lei, a flexibilidade oferecida pela lei 13.777/18, ao criar a figura do administrador sem atribuições taxativas, representa a evolução natural deste processo, permitindo que cada empreendimento desenvolva sua estrutura de governança ideal.

Em um mercado de cifras bilionárias, onde o sonho da casa de férias de milhares de famílias está em jogo, a qualidade da governança não é um diferencial competitivo, mas a própria condição para o sucesso e a sustentabilidade do setor. A dupla gestão, quando bem estruturada através de convenções inteligentes, ofereceria a transparência, eficiência e equilíbrio de interesses que o mercado demanda.

Dessa forma, concluímos que não se pode afirmar que a lei tenha equiparado automaticamente o administrador ao síndico. Pelo contrário, entendemos que o legislador preservou a flexibilidade para que a convenção distribua competências de acordo com a realidade de cada projeto. Em empreendimentos mistos, por exemplo, o síndico edilício tende a manter suas responsabilidades sobre áreas comuns gerais, enquanto o administrador profissional se concentra na gestão das unidades fracionadas. A coexistência de ambos os cargos, nesse sentido, pode ser entendida como uma construção de governança inteligente, alinhada ao princípio da especialização de funções.

A regulamentação da multipropriedade pela lei 13.777/18 representou um marco fundamental para o setor. Como observam os especialistas, "com o advento da lei, o que outrora demonstrava ser um risco aos consumidores e construtores, trouxe a segurança jurídica necessária"15. Esta segurança jurídica, contudo, não veio acompanhada de rigidez excessiva. Pelo contrário, a lei soube equilibrar estabilidade normativa com flexibilidade operacional, permitindo que o mercado desenvolva estruturas de governança adequadas às suas necessidades específicas. A dupla gestão emerge, assim, não como uma complicação adicional, mas como a materialização inteligente desta flexibilidade legal, oferecendo aos empreendimentos a possibilidade de combinar o melhor de dois mundos: a especialização operacional e a representação democrática.

A flexibilidade oferecida pela lei 13.777/18 é uma oportunidade única para que o mercado brasileiro desenvolva modelos de governança inovadores e eficazes. Cabe aos profissionais do Direito e aos incorporadores aproveitarem esta oportunidade para construir um setor mais maduro, transparente e confiável, estabelecendo novos padrões de excelência na gestão de multipropriedades e consolidando o Brasil como referência mundial no segmento.

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1 CAIO CALFAT CONSULTING. Cenário do Desenvolvimento de Multipropriedade no Brasil - 8ª edição. 2024. Disponível em: https://www.caiocalfat.com/blog/multipropriedade-milhao-fracoes. Acesso em: 15 set. 2025

2 BRAZIL ECONOMY. Multipropriedade cresce 16,6% no Brasil e setor alcança R$ 92,7 bilhões em VGV. 12 jun. 2025. Disponível em: https://brazileconomy.com.br/2025/06/multipropriedade-cresce-166-no-brasil-e-alcanca-r-927-bilhoes-em-vgv/. Acesso em: 15 set. 2025.

3 RIZZARDO, Arnaldo apud CAMELLO, Rogério. A multipropriedade e seu impacto nos condomínios edilícios. Migalhas Edilícias, 12 mar. 2020.

4 GARCIA, Maya apud CAMELLO, Rogério. A multipropriedade e seu impacto nos condomínios edilícios. Migalhas Edilícias, 12 mar. 2020.

5 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 15 set. 2025.

6 SARAIVA, Karina. Gestão de Condomínios em Multipropriedade: da necessidade de uma gestão eficiente e transparente. In: CONGRESSOS IBRADIM CENTRO-OESTE, 2025, Goiânia. Anais... Goiânia: IBRADIM, 2025. Disponível em: https://congressosibradim.com.br/wp-content/uploads/2025/06/MULTIPROPRIEDADE-P2-KARINA-MELO-SARAIVA.pdf. Acesso em: 15 set. 2025.

7 Art. 1.348. Compete ao síndico:

I - convocar a assembléia dos condôminos; II - representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns; III - dar imediato conhecimento à assembléia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio; IV - cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembléia; V - diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores; VI - elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;

VII - cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas; VIII - prestar contas à assembléia, anualmente e quando exigidas; IX - realizar o seguro da edificação.

8 Art. 1.358-M. A administração do imóvel e de suas instalações, equipamentos e mobiliário será de responsabilidade da pessoa indicada no instrumento de instituição ou na convenção de condomínio em multipropriedade, ou, na falta de indicação, de pessoa escolhida em assembleia geral dos condôminos. § 1º O administrador exercerá, além daquelas previstas no instrumento de instituição e na convenção de condomínio em multipropriedade, as seguintes atribuições: I - coordenação da utilização do imóvel pelos multiproprietários durante o período correspondente a suas respectivas frações de tempo; II - determinação, no caso dos sistemas flutuante ou misto, dos períodos concretos de uso e gozo exclusivos de cada multiproprietário em cada ano; III - manutenção, conservação e limpeza do imóvel; IV - troca ou substituição de instalações, equipamentos ou mobiliário, inclusive: a) determinar a necessidade da troca ou substituição; b) providenciar os orçamentos necessários para a troca ou substituição; c) submeter os orçamentos à aprovação pela maioria simples dos condôminos em assembleia; V - elaboração do orçamento anual, com previsão das receitas e despesas; VI - cobrança das quotas de custeio de responsabilidade dos multiproprietários; VII - pagamento, por conta do condomínio edilício ou voluntário, com os fundos comuns arrecadados, de todas as despesas comuns. § 2º A convenção de condomínio em multipropriedade poderá regrar de forma diversa a atribuição prevista no inciso IV do § 1º deste artigo.

Art. 1.358-R. O condomínio edilício em que tenha sido instituído o regime de multipropriedade em parte ou na totalidade de suas unidades autônomas terá necessariamente um administrador profissional. § 1º O prazo de duração do contrato de administração será livremente convencionado. § 2º O administrador do condomínio referido no caput deste artigo será também o administrador de todos os condomínios em multipropriedade de suas unidades autônomas. § 3º O administrador será mandatário legal de todos os multiproprietários, exclusivamente para a realização dos atos de gestão ordinária da multipropriedade, incluindo manutenção, conservação e limpeza do imóvel e de suas instalações, equipamentos e mobiliário. § 4º O administrador poderá modificar o regimento interno quanto aos aspectos estritamente operacionais da gestão da multipropriedade no condomínio edilício. § 5º O administrador pode ser ou não um prestador de serviços de hospedagem

9 PEGHINI, Cesar Calo; DOMICIANO, Flávia Lara Vogel. Multipropriedade: Evolução Histórica e Análise da Lei 13.777/18. Migalhas Edilícias, 24 ago. 2020.

10 CAMELLO, Rogério. A multipropriedade e seu impacto nos condomínios edilícios. Migalhas Edilícias, 12 mar. 2020.

11 Art. 1.358-R. O condomínio edilício em que tenha sido instituído o regime de multipropriedade em parte ou na totalidade de suas unidades autônomas terá necessariamente um administrador profissional. § 1º O prazo de duração do contrato de administração será livremente convencionado

12 CAMELLO, Rogério. A multipropriedade e seu impacto nos condomínios edilícios. Migalhas Edilícias, 12 mar. 2020.

13 TEPEDINO, Gustavo apud CAMELLO, Rogério. A multipropriedade e seu impacto nos condomínios edilícios. Migalhas Edilícias, 12 mar. 2020.

14 PEGHINI, Cesar Calo; DOMICIANO, Flávia Lara Vogel. Multipropriedade: Evolução Histórica e Análise da Lei 13.777/18. Migalhas Edilícias, 24 ago. 2020.

15 CAMELLO, Rogério. A multipropriedade e seu impacto nos condomínios edilícios. Migalhas Edilícias, 12 mar. 2020.

Fonte: Migalhas