Casa ou hotel 6 estrelas? O que oferecem os prédios de superluxo no Brasil

O Le Six Residence oferece conceito de hotel, com serviços exclusivos

Imagem: Reprodução/Le Six

Serviços exclusivos, marcas de grife e experiências personalizadas viram argumento de venda no mercado imobiliário de luxo, onde só a metragem quadrada já não basta.

O que aconteceu

Imóveis de luxo passaram a vender marcas e estilo de vida, e não apenas espaço. Casas e apartamentos batizados de "branded residences" são associados a grifes, redes hoteleiras ou empresas de estilo de vida, que emprestam seus serviços, padrão e identidade aos empreendimentos. A ideia é justificar preços cada vez mais altos com experiências personalizadas.

Um exemplo é o Le Six Residences, que promete "transformar luxo em estilo de vida". Localizado na Rua Cubatão, no bairro do Paraíso, na região central da capital paulista, o projeto oferece serviços inspirados em hotéis seis estrelas, sob gestão da CBRE (Coldwell Banker Richard Ellis), empresa global de administração imobiliária.

Empreendimento da Lavvi Incorporadora aposta em lazer e comodidades para reforçar o conceito de luxo. Inclui concierge exclusivo, mensageria, porteiro 24h, atendimento personalizado (customer experience), guarda de bicicletas (bike sharing), assessoria esportiva e monitoria infantil. O concierge atua como assistente pessoal do morador, organizando desde reservas e compras (ele leva o seu delivery até sua porta) até transporte, manutenção e eventos. Entre as áreas comuns estão piscina coberta com raia, quadra de tênis, spa, lareira, sala de pilates, academia assinada e salão gourmet.

Unidades variam de 156 m² a 521 m², com preços a partir de R$ 3,7 milhões. As plantas têm até quatro suítes, seis banheiros e quatro vagas. As coberturas são duplex. As plantas menores contam com duas vagas, indicando segmentação entre perfis de compradores.

Com mais de 5.000 m², o terreno permite incluir estruturas difíceis de encontrar no bairro. A área abriga quadra de tênis, spa, piscina com deck molhado, saunas, brinquedoteca, salão de festas e solários —diferenciais que elevam o padrão do empreendimento.

Apesar da proposta de exclusividade, 140 das 148 unidades do Le Six serão destinadas à Habitação de Mercado Popular (HMP). A medida cumpre exigência do Plano Diretor de São Paulo, que obriga projetos com construção acima do limite básico a destinar parte dos imóveis a famílias com renda entre R$ 9.108 e R$ 15.180, por ao menos 20 anos. Ou seja, apenas 8 unidades serão luxuosíssimas.

Contrapartida é prevista por lei e visa garantir diversidade social em bairros valorizados. Nesses casos, a incorporadora paga uma taxa à prefeitura (outorga onerosa) para viabilizar a construção adicional.

Não há clareza sobre a integração entre os dois perfis de moradia. Questionada, a Lavvi não informou se os apartamentos da HMP terão o mesmo padrão, acesso às áreas comuns ou entradas e garagens separadas. Tampouco informou quais plantas correspondem às 140 unidades populares previstas. No site oficial do empreendimento, são apresentadas plantas a partir de 156 m² — e há uma única opção duplex, com 521 m². Já um segundo lançamento da incorporadora, o Le Six Apartments, com studios de 25 m² e 30 m², aparece no mesmo endereço, mas não há material promocional que relacione diretamente esse projeto à cota de Habitação de Mercado Popular. Procurada, a incorporadora preferiu não comentar.



Conceito se espalha pelo Brasil

Modelo de branded residences já se consolidou em grandes cidades brasileiras. Em São Paulo, há mais de 20 projetos em diferentes estágios, como o Residencial Fasano Itaim, o Cyrela by Pininfarina, o Faena Residences da Even e o ELLE Residences, lançado em parceria com a Lagardère. Todos apostam em serviços hoteleiros assinados, como concierge, segurança 24 horas, arrumação (housekeeping) e experiências de bem-estar (wellness).

Em Santa Catarina, conceito avança com empreendimentos ultraluxuosos. Um exemplo é o Armani Casa Residences, em Balneário Camboriú: um arranha-céu de 78 andares com piscinas privativas, jardins internos e unidades de até 1.100 m², fruto da parceria entre a Embraed e a grife italiana. Outro destaque na região é o Tonino Lamborghini Residences, que explora o design da marca automotiva em projetos de alto padrão, com academia de última geração e pista de carrinhos elétricos.



Crescimento do mercado

Segmento de imóveis de luxo e superluxo cresceu 57% no Brasil no 1º trimestre de 2025. Foram mais de 1.600 unidades lançadas no período, segundo Guilherme Werner, sócio da Brain, empresa de consultoria estratégica para o mercado imobiliário.

Sul e o Sudeste lideram os lançamentos de alto padrão. A região Sul teve alta de 123% nos lançamentos, com 333 unidades e VGV (valor geral de vendas, é o valor total estimado que um empreendimento imobiliário pode gerar com a venda de todas as suas unidades) de R$ 939 milhões. O Sudeste concentrou 793 unidades, crescimento de 67%, com São Paulo como principal mercado.

Florianópolis superou São Paulo no preço do metro quadrado superluxo. A capital catarinense alcançou R$ 37.349/m², ligeiramente acima dos R$ 37.230/m² registrados em São Paulo, segundo a Brain.

Serviços tornaram-se protagonistas no mercado de luxo. "Hoje, o luxo está diretamente ligado a serviço. Parcerias com marcas de academias, spas ou design de interiores agregam valor e são vistas como essenciais", afirma Werner.

Comprador de luxo não busca necessidade, mas desejo. "Localização, projeto arquitetônico, assinatura e acabamentos têm mais peso que o preço por metro quadrado", diz.

Entre os diferenciais mais valorizados estão experiências personalizadas. Academias assinadas, spas internacionais, curadoria de arte e serviços de concierge são considerados indispensáveis.



Realidade virtual

Imóveis de altíssimo padrão agora são vendidos com auxílio de óculos de realidade virtual . A tecnologia permite que clientes vivenciem, em resolução 8K, unidades que só ficarão prontas entre dois e cinco anos, segundo Alessandro Bartelle, fundador da Barts&Co. "Não se trata apenas de visualizar o projeto, mas de viver a experiência antes da construção. Isso gera uma conexão emocional imediata com o empreendimento", afirma.

A Barts&Co comercializa projetos como o Vista Armani, da Cyrela, por meio de experiências imersivas. O empreendimento leva a assinatura da grife italiana e exemplifica como tecnologia e exclusividade vêm se unindo no mercado de branded residences —imóveis que vendem identidade e estilo de vida, não apenas metragem.

Experiência é o novo diferencial competitivo, afirma Bartelle. "O público desse segmento é altamente exigente e valoriza exclusividade e personalização. A realidade virtual oferece arte, design e inovação, antecipando ao cliente o estilo de vida prometido por marcas como a Armani."

Vista Armani tem unidades entre 348 m² e 710 m², com preços a partir de R$ 10,3 milhões. As coberturas contam com até cinco vagas de garagem e serviços como concierge, experiências wellness e design assinado pela marca. Valores das maiores unidades são fornecidos sob consulta, segundo o Apto.vc.



Quando a casa vira experiência

Valor por metro quadrado continua relevante, mas já não é o único argumento de venda no mercado de luxo. Segundo Caio Calfat, vice-presidente de Assuntos Turístico-Imobiliários do Secovi-SP, os preços atingiram patamares tão altos que pararam de subir no mesmo ritmo —e agora são os serviços e as marcas que sustentam os valores. "Esse agregado de valor faz com que o preço continue elevado, mesmo em mercados já saturados", afirma.

Exclusividade é o principal motor do desejo. "Quanto mais exclusivo o empreendimento, mais valorizadas as marcas envolvidas e mais sofisticados os serviços, maior será o diferencial e o preço final", diz Calfat. Um exemplo é o Rosewood Residences São Paulo, que combina apartamentos em um condomínio, hotelaria de luxo, design assinado e operação internacional no complexo Cidade Matarazzo. Segundo ele, esse formato híbrido — no qual o imóvel carrega a marca e os serviços do hotel — eleva o valor do metro quadrado e atrai um perfil de cliente disposto a pagar mais pela experiência.

Projeto com assinatura de estrelas do design já alcança R$ 100 mil/m². No condomínio, uma unidade de 147 m² pode custar R$ 11 milhões. O projeto tem assinatura do arquiteto Jean Nouvel, interiores de Philippe Starck e paisagismo de Louis Benech. Segundo Calfat, há revendas por até R$ 100 mil o metro quadrado. Em Canela (RS), o hotel Kempinski Laje de Pedra segue padrão semelhante —também com unidades de alto padrão em valores equivalentes.

Perfil do comprador varia entre jovens solteiros e famílias de alta renda, com renda mensal acima de R$ 90 mil. Segundo Fernando Guimarães, diretor da FLG Realty, esse público está disposto a pagar mais para adquirir ou alugar unidades de até 200 m² em condomínios de alto padrão. Em imóveis maiores ou com estrutura mais sofisticada, a exigência sobe, com renda familiar acima de R$ 100 mil mensais, dependendo dos serviços e diferenciais oferecidos.

Pandemia e a mudança geracional aceleraram a tendência de branded residences. "O conceito de moradia passou a abranger toda a experiência ao redor dela. A casa virou um ecossistema completo —e não apenas um local para dormir", diz Guimarães.

Fonte: Uol Economia